mobilidade de deficientes

Projetando o futuro de crianças e jovens com deficiência…

Comentário SACIMarta Gil é socióloga, Diretora do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas e consultora na área da Deficiência

Marta Gil

“Educação é simplesmente a alma da sociedade, pois passa de uma geração a outra.” G.K. Chesterton

Antes de falar sobre alunos com deficiência, vamos falar um pouco sobre a Deficiência, tema que ganha visibilidade, força e espaço.

As ações e iniciativas voltadas a esse segmento da população, que corresponde a 15% do total dos brasileiros tornam-se mais freqüentes e gradualmente perdem o tom de “novidade”.

As escolas públicas e particulares começam a abrir suas portas para acolher crianças que até então não eram aceitas como alunos, permitindo que a convivência e o respeito à diferença sejam aprendidos desde cedo. Cada vez mais percebemos que o processo de Inclusão acontece na Vida e não somente na escola, no trabalho ou em um determinado ambiente social.

Nesse processo de inclusão, de equiparação de oportunidades e de respeito à diversidade, a escola tem um papel fundamental, o de oferecer a primeira oportunidade para conviver com outras pessoas, além do ambiente familiar.

A educação deve cuidar do intelecto, da personalidade e do corpo, de forma harmônica. A Pedagogia entende que há uma conexão íntima entre essas esferas, que deve ser cultivada e incentivada, como parte integrante do processo de ensino/aprendizagem. Assim, o conceito de educação ultrapassa o processo de transmissão de conhecimentos: cuida da formação integral do ser humano, do desenvolvimento de valores e posturas éticas e cidadãs.

Essas considerações valem para todos os alunos, tenham ou não uma deficiência, da creche à universidade.

Sabemos que a educação não acontece apenas no ambiente escolar e durante os anos que lá permanecemos; é um processo permanente e dinâmico, que acontece na interação.

O questionamento sobre o papel da escola e da educação não é de hoje e ocorre em muitos países, não apenas no Brasil. A insatisfação reinante motiva o desenvolvimento de novas propostas pedagógicas e gera estudos e pesquisas. A pergunta sobre a preparação para a vida é uma das mais freqüentes, feita por pais e educadores de crianças com e sem deficiência.

Como o foco deste texto é sobre a preparação para o futuro de crianças e jovens com deficiência, vamos falar sobre eles, começando com sua entrada na escola.

Como receber alunos com deficiência na classe?
Ao receber o aluno com algum tipo de deficiência, limitação ou incapacidade, a inadequação do ambiente e/ou do modelo pedagógico fica ainda mais patente. A presença dele mostra que não é mais possível continuar agindo do mesmo jeito, convivendo com a distância entre o conteúdo a ser transmitido e o aluno de carne e osso, com características, demandas e interesses concretos. A necessidade de rever recursos, alternativas e estratégias de ensino torna-se premente. A reflexão aponta para a mudança.

O educador se vê perante uma realidade nova para ele e, na maioria das vezes, se sente despreparado e inseguro.

Essa reação é normal: perante o desconhecido, o ser humano tende a se sentir assim mesmo. A sensação de insegurança pode ser maior, caso o educador não tenha conhecido ou convivido com pessoas com deficiência em sua família ou em seu círculo de amizades e relações pessoais.

É bom lembrar que as pessoas com deficiência não eram vistas nas ruas ou em espaços públicos até recentemente. Muitas vezes, sua existência nem era mencionada – ou eram feitos comentários em voz baixa, longe das crianças e com tom de pena.

Esse “manto de invisibilidade” começa a ser levantado: a Campanha da Fraternidade de 2006 adotou o lema “Levanta-te e vem para o meio”, uma frase do Evangelho que mostra que a inclusão é um movimento em mão dupla, feito por todos os envolvidos e que o lugar das pessoas com deficiência é no meio e não nos cantinhos; a Rede Globo de TV exibiu duas novelas onde papéis protagonistas foram desempenhados por pessoas com deficiência; com a melhoria das condições de acessibilidade, encontramos mais pessoas com deficiência circulando em espaços públicos; o Teatro Vivo (São Paulo) tem áudio descrição, recurso que permite que pessoas com deficiência visual acompanhem peças teatrais com autonomia; os exemplos são muitos e estão aumentando.

Portanto, quando o professor expressa insegurança ou falta de preparo para atender esses alunos, ele tem uma dose de razão. Mas isso não deve imobilizá-lo ou servir como desculpa. É apenas uma constatação, feita no primeiro momento.

É preciso ultrapassar esse ponto: afinal, o aluno está na sala e tem o mesmo direito de aprender que os demais.

Acima de tudo, o professor deve ter confiança em sua formação e em sua vivência: ele ensina crianças e não “deficiências”. Depois da surpresa inicial, ele percebe que ali está uma criança (ou um jovem), com diversos atributos, dos quais a deficiência é apenas mais um.

E, ao olhar para sua sala, vai perceber que cada aluno é único, com facilidades e dificuldades, com seu ritmo próprio de aprendizagem.

Por que não inverter a situação da negação, do preconceito e encarar a inclusão (e todos os desafios que ela nos propõe) como uma oportunidade de ouro que nos remete à nossa verdadeira dimensão humana?

A inclusão é um convite para reinventar a realidade – que, no caso da escola não está nada satisfatória, para ninguém como vimos – com raras e honrosas exceções.

Educação Inclusiva: o caminho da diversidade
A Educação Inclusiva é um sistema de educação e ensino em que todos os alunos com necessidades educacionais especiais, incluindo os alunos com deficiência, freqüentam as escolas comuns, da rede pública ou privada, com colegas sem deficiências. Para tanto, as escolas comuns precisam prever recursos e apoio para atender às necessidades destes alunos.

A Escola Inclusiva respeita e valoriza todos os alunos, cada um com a sua característica individual e é a base da Sociedade para Todos, que acolhe todos os cidadãos e se modifica, para garantir que os direitos de todos sejam respeitados.

A Educação Inclusiva não é uma moda passageira. Ela é o resultado de muitas discussões, estudos teóricos e práticas que tiveram a participação e o apoio de organizações de pessoas com deficiência e educadores, no Brasil e no mundo. É fruto também de um contexto histórico em que se resgata a Educação como lugar do exercício da cidadania e da garantia de direitos.

A Educação Inclusiva vem para substituir a escola tradicional, na qual todos os alunos precisavam se adaptar ao mesmo método pedagógico e eram avaliados da mesma forma. Quem não se enquadrasse, estava fora dos padrões considerados aceitáveis e era encaminhado para a classe especial, para a escola especial ou, simplesmente, acabava desistindo de estudar.

O primeiro passo para a concretização da Educação
Matricular simplesmente uma criança com deficiência em uma classe comum, da escola comum, sem dúvida, é um passo importante na direção certa. Mas isso não é Educação Inclusiva.

Mesmo que algumas pessoas com deficiência tenham condições de freqüentar a escola tal como ela é hoje, e possam ter o mesmo aproveitamento da maioria das crianças, ainda assim, isso não é praticar Educação Inclusiva.

Educação Inclusiva pressupõe que todas as crianças tenham a mesma oportunidade de acesso, de permanência e de aproveitamento na escola, independentemente de qualquer característica peculiar que apresentem ou não. Para que isso ocorra, é fundamental que as crianças com deficiência tenham o apoio de que precisam, isto é, acesso físico, equipamentos para locomoção, comunicação (tecnologia assistiva) ou outros tipos de suporte. Mas, o mais importante de tudo, é que a prática da Educação Inclusiva pressupõe que o professor, a família e toda a comunidade escolar estejam convencidos de que:

* O objetivo da Educação Inclusiva é garantir que todos os alunos com ou sem deficiência participem ativamente de todas as atividades na escola e na comunidade;
* Cada aluno é diferente no que se refere ao estilo e ao ritmo da aprendizagem. E essa diferença é respeitada numa classe inclusiva;
* Os alunos com deficiência não são problemas. A Educação Inclusiva entende esses alunos como pessoas que apresentam desafios à capacidade dos professores e das escolas para oferecer uma educação para todos, respeitando a necessidade de cada um.

Nessa ótica, é o aluno que produz o resultado educacional, ou seja, a aprendizagem. Os professores atuam como facilitadores da aprendizagem dos alunos, com a ajuda de outros profissionais, tais como professores especializados em alunos com deficiência, pedagogos, psicólogos e intérpretes da língua de sinais.

Preparando para a vida
Na escola inclusiva, todos os alunos, pais, educadores e gestores, independentemente da presença ou não de deficiência, aprendem a compreender e aceitar os outros, a reconhecer as necessidades e competências dos colegas, a respeitar todas as pessoas e enfim, a construir uma sociedade mais solidária.

Os benefícios, portanto, são muitos: a busca de estratégias e recursos pedagógicos torna o ensino mais concreto, mais próximo da vivência dos alunos e, conseqüentemente mais interessante e estimulante; todos aprendem a interagir com a diferença em uma situação de aprendizagem, na qual o erro faz parte; o professor exercita sua criatividade e sua capacidade de adaptação; o aluno com deficiência tem aumentadas suas oportunidades de conviver com outros, de exercitar sua mente e seu corpo, de descobrir possibilidades e potencialidades, de encarar desafios, de se preparar para a vida adulta; os alunos sem deficiência aprendem a reconhecer e a conviver com indivíduos que têm uma escala de habilidades a mais ampla possível, ampliando perspectivas e estimulando reflexões sobre a aparência e a essência, entre outros temas.

Futurando…
Sabemos da importância que a bagagem adquirida nos bancos escolares tem para o futuro; aquela que é construída nas escolas inclusivas é ainda mais importante, diversificada e próxima da realidade que será enfrentada pelos alunos, após a formatura, qualquer que seja o nível de ensino, justamente porque levou em conta a diversidade que é parte inerente da Vida, nos reinos animal, vegetal e mineral.

Se a escola se organizou para acolher todos os alunos, se o professor apostou e investiu no potencial de todos, se buscou parcerias, interlocutores e tecnologias apropriadas, se a família desempenhou o seu papel de complementar a atuação da escola e não se limitou a deixar seu filho e buscá-lo no final do dia – sim, podemos ter certeza que eles estarão preparados para enfrentar a vida.

Ao se formar, encontrarão uma sociedade com leis que preconizam a acessibilidade (em todos os sentidos do termo); empresas que oferecem empregos no mercado formal para pessoas com deficiência, graças à lei de cotas; serviços, equipamentos e produtos que contemplam a diversidade.

Podemos afirmar, ainda, que há conquistas a serem celebradas – e que há muitos outros desafios a serem enfrentados e que contamos com a participação deles, para juntos construirmos um futuro justo, sustentável e inclusivo.

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